10/08/2011 13h17 - Atualizado em 10/08/2011 13h17
De Sobral e Juazeiro do Norte, buscam espaço nas séries C e D. Um tem Poderoso Chefão, outro, fanático que rejeita mulher de olhos da cor do rival
Guarany de Sobral, em rara foto dos anos 1970
(Divulgação/Guarany de Sobral)
No ano de 1970, o Campeonato Cearense ainda era disputado em três turnos. No primeiro deles, de pontos corridos, o Guarany de Sobral sagrou-se campeão. Na época, a façanha deu ao time sobralense o terceiro lugar geral na competição. Um time que havia sido fundado 32 anos antes, se profissionalizado em 1949, e disputava a 1ª Divisão Cearense apenas pela quarta vez. Esta foi a primeira grande conquista de um clube que ainda nem imaginava ser um dia o primeiro time cearense a se tornar Campeão Brasileiro - ainda que da Série D.(Divulgação/Guarany de Sobral)
Também no início da década de 1970, um outro Guarani surgia para o futebol cearense lá na cidade de Juazeiro do Norte - a 495 quilômetros de Fortaleza. O clube, que havia sido fundado em 1941, disputava apenas em 1973, pela primeira vez, o Campeonato Estadual. Quando o time do Cariri chegou ao quarto lugar da competição em 1979, a torcida apaixonada vivia o momento mais importante até então.
São histórias diferentes. Ainda assim, como times do interior de um estado onde o futebol é repleto de dificuldades financeiras, não há como não comparar a trajetória de ambos, que levam o mesmo nome e as mesmas cores no uniforme. Com personagens pitorescos, como o dirigente Luiz Torquato, o "Poderoso Chefão" cearense, ou o "Seu Santos", o torcedor que rejeitou mulher de olhos verdes por causa da cor do clube rival, hoje os clubes buscam se firmar na imensidão do futebol brasileiro.
Porta para o Brasil
O torcedor mais curioso, que antes do início de toda competição gosta de conferir quem o seu time vai enfrentar, já reparou que o Ceará tem dois Guaranis em diferentes divisões do Brasileiro deste ano. Na Série C, o representante vem de Sobral. O Cacique do Vale, como é popularmente conhecido o bugre sobralense, disputa a 3ª Divisão Nacional pela terceira vez. Já o Guarani de Juazeiro vive um momento histórico ao chegar, na Série D, a uma competição nacional pela primeira vez em seus 70 anos de existência.
Mas para disputar um Campeonato Brasileiro - e se manter - esses times precisam, basicamente, de três elementos: organização, dinheiro e sorte. Conhecendo um pouco mais sobre a trajetória deles, ficará mais fácil entender como esses elementos se encaixam.
Guarany de Sobral comemora título da Série D (Foto: Kiko Silva/Agência Diário)
O futuro é agoraDepois de chegar tão longe em sua trajetória, o Guarani de Juazeiro quer mais. A Série C é uma meta nem tão inalcançável quanto se pensa. O time está num grupo equilibrado da Série D - excetuando-se a presença do Santa Cruz. Na mesma chave estão ainda: Santa Cruz-RN, Alecrim-RN e Porto-PE.
O time rubro-negro precisa agora enfrentar as dificuldades financeiras em se bancar praticamente sozinho na competição. O elenco perdeu algumas peças importantes que foram bem no Campeonato Cearense, como os atacantes Niel e Netinho e o meia Jérson.
- Nós vamos ficar viajando de ônibus por enquanto. Se conseguirmos passar para a próxima fase, podemos pensar em viajar de avião e investir mais no elenco - declarou o presidente do Guarani, José Moura.
Já em Sobral, os dirigentes do clube precisam contar com mais investimentos para que o time consiga o acesso à Série B novamente. O time tem como principal adversário no grupo o Fortaleza, que busca voltar a figurar entre os grandes do Brasil. Além deles, estão na mesma chave: CRB-AL, Campinense-PB e América-RN.
- Nós somos os mais pobres da chave, os que têm mais dificuldades, mas temos mais vontade de sermos campeões - informou o presidente do Guarany de Sobral, Luizinho Torquato.
Luiz Torquato, verdadeiro cacique no Guarasol
(Foto: Kiko Silva / Agência Diário)
Um cacique para várias gerações da tribo(Foto: Kiko Silva / Agência Diário)
Ser considerado o primo pobre do grupo na Série C não é uma visão tão exagerada assim para o Guarany de Sobral. Ao lado de clubes que desfilavam por Séries A e B até bem pouco tempo, o Guarasol tem uma história bem peculiar e ainda busca se firmar como uma potência do futebol nordestino.
O Cacique do Vale faz referência aos índios guaranis, uma das maiores tribos indígenas brasileiras; e ao Vale do Acaraú, região na qual está localizada a cidade de Sobral. Mas bem que o tal cacique poderia fazer alusão ao atual presidente do Conselho Deliberativo do clube, Luiz Torquato, que comanda o futebol no Guarany desde 1982.
Na época, o clube vivia um período complicado financeiramente. Depois de ter conquistado o 1º turno do Campeonato Cearense, em 1970, o Guarany estava no limbo do futebol cearense. Sem forças para reagir e devendo salários a jogadores e funcionários no final dos anos 70, os conselheiros recorreram ao nome de Luiz Torquato, que sequer estava ligado ao futebol.
- Eu era do ramo de cavalos. Nunca tinha me envolvido com futebol antes. Mas tinha dinheiro e resolvi bancar o time - declarou Luiz Torquato.
Com o investimento de Luiz Torquato, o clube sobralense ganhou fôlego. Logo em 1983, fez ótima campanha no estadual, terminando em terceiro lugar, o que possibilitou ao Guarany disputar a Taça de Prata no mesmo ano, o que equivaleria à Série B de hoje.
Por ser longa, a administração de Luiz Torquato viveu altos e baixos durante esses quase 30 anos. O clube, aliás, parece ser dependente da força dos Torquato e vice-versa. E quando se fala em "Os Torquato" é porque não é só o pai que gerencia o Cacique do Vale. Hoje, o presidente é o filho Luzinho Torquato, mas um dia também já foi a esposa do velho Torquato.
O manda-chuva do futebol sobralense tem sempre declarações ácidas e é quase um mito local. Quando ele cansa do cargo de presidente, coloca alguém da família. No entanto, está sempre por perto para dar a palavra final ou, até mesmo, um bom conselho - como se fora um Don Corleone cearense.
Sobral conquista o Brasil
A partida decisiva foi contra o América-AM. O time sobralense havia arrancado empate em 1 a 1 no jogo de ida. Na volta, o Estádio do Junco estava lotado pela torcida rubro-negra. O resultado: uma sonora goleada por 4 a 1. Um momento em que o Cacique do Vale marcou seu nome no futebol brasileiro.
- Foi nosso momento mais marcante. Colocou o Guarany na história. Nós temos o que nenhum clube cearense conseguiu até hoje - ressaltou Luiz Torquato.
Estadual 2011: melhor campanha da história
(Foto: José Leomar / Agência Diário)
Demorou 70 anos(Foto: José Leomar / Agência Diário)
Lá em Juazeiro do Norte, bem longe da capital Fortaleza, ou da bela Sobral, outro Guarani rubro-negro busca também fazer história. E se tem um momento com todas as ferramentas para que isso aconteça, pode apostar que este ano é 2011.
O Guarani de Juazeiro tem 70 anos de vida, mas o bom velhinho rubro-negro nunca esteve entre os protagonistas do futebol cearense. Sempre na rivalidade ferrenha com o Icasa ou, se buscar nos antepassados, com o futebol do Crato (cidade vizinha a Juazeiro do Norte), o Guarani acabou ficando à margem das grandes disputas regionais.
Mas os últimos anos foram de reformulação no rubro-negro. O clube sofreu mais um descenso de divisão estadual em 2008. No ano seguinte, a equipe precisava deixar o estigma de saco de pancada para reagir no futebol cearense. O Guarani mudou de diretoria e conseguiu o acesso à primeira divisão estadual já em 2009.
No ano passado, o time fez campanha apenas mediana na 1ª divisão do Campeonato Cearense, mas suficiente para se manter entre os grandes. O clube e a gestão se profissionalizaram, e o resultado mesmo veio este ano. O Guarani conseguiu surpreender os adversários e alcançar o vice-campeonato do 2º turno do Campeonato Cearense. A boa campanha deu ao time a vaga cearense na Série D do Brasileirão.
- Nós pegamos mais experiência e organizamos mais o clube. Foi isso que nos deu força para chegar até aqui - explicou o presidente do Guarani, José Moura.
Seu Santos, no meio, e sua poesia ao Leão do
Mercado (Foto: Arquivo Pessoal / Seu Santos)
Em Juazeiro, o Leão é rubro-negroMercado (Foto: Arquivo Pessoal / Seu Santos)
Depois de conquistar uma vaguinha na Série D, o Guarani de Juazeiro conquistou o respeito e o devido espaço no futebol cearense. Na terra onde o leão forte é o Fortaleza, o time do Cariri mostrou que um outro felino pode mostrar as garras.
O Leão do Mercado - como é conhecido o Guarani - tem torcedores fanáticos. Um deles é o professor de escola pública Francisco Santos Silva, ou, como ele gosta de ser chamado, "Seu Santos".
- Sou Guarani desde que o espermatozoide do meu pai encontrou o óvulo da minha mãe - brincou Seu Santos.
Seu Santos coleciona fotos e casos históricos de toda a trajetória do Guarani e é famoso na cidade pelos versos e cordéis que faz para o time de coração. Como ele mora na mesma avenida do Estádio Romeirão - onde o Guarani manda seus jogos -, Seu Santos acaba dando duas ou três viagens para levar todos os amigos e torcedores aos jogos.
Para a Série D, a expectativa do torcedor é que o time chegue o mais longe possível e, de preferência, ascenda à Série C, onde pretende encontrar o rival Icasa (que hoje disputa a Série B).
Seu Santos é tão fanático pelo time que ninguém na família dele pode torcer para o rival. Aliás, não é só torcer. Na casa dele, ninguém usa nada verde.
- Uma vez comecei a paquerar uma moça. Marcamos de nos encontrarmos, e só então eu percebi que os olhos dela eram verdes. O romance acabou na hora - lembrou o torcedor do Guarani.
O sonho maior de Seu Santos é lançar um livro com a história do Guarani de Juazeiro. Se depender da criatividade e bom humor dele, podem apostar que será uma agradável leitura.
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